Dia desses deparei-me com a foto do vetusto prédio do Bar do Gagliano, no magnífico espaço de “Hagop Koulkdjian Neto fotos” onde, com maestria, fidelidade e emoção, é registrada a rica História de Osasco. A publicação suscitou curiosidade e depoimentos, numa demonstração da importância do referido estabelecimento na vida da nossa comunidade. Eu, que vivi os melhores tempos da infância naquela vizinhança – o Gagliano se localizava na esquina da Rua da Carteira (atual Narciso Sturlini), com a Estrada de Itu (hoje Avenida dos Autonomistas) – já tive oportunidade de me referir ao assunto no livro Sonhar é Preciso*. A seguir reescrevo um trecho da narrativa:
(Todos os domingos) … “Por volta das seis da tarde, acompanhava meu pai que, mãos cruzadas nas costas, passos lentos, dirigia-se ao Bar do Gagliano. No amplo, mas simples salão do estabelecimento, meu velho se acomodava entre outros imigrantes italianos, modestos e sofridos como ele. A família Ciscato, proprietária do bar, era da mesma origem dos fregueses. Às vezes, alguns imigrantes espanhóis e portugueses juntavam-se ao grupo. Servia-se vinho barato, conversava-se com alegria e o ambiente seguia animado, até quando alguém lançava o desafio para uma partida de mora. (…)
No final da renhida e barulhenta contenda – ouvia-se o canto de um coral, desafinado, mas vibrante, evocando as tradicionais canções italianas: Santa Lucía, Ó Solemio, Strada del Bosco…De repente, as vozes silenciavam. Era hora da despedida. As crianças que, suadas como eu, vinham correndo na rua de terra, deserta e mal iluminada, atrás da bola do meia, se dispersavam. (…)
O retorno morro acima, apesar da curta distância, era cansativo. Exausto, eu seguia alguns metros atrás do pai que avançava devagar. De quando em quando, ele parava. Pretextando verificar se eu ainda o acompanhava, sorvia um fôlego e voltava a cruzar as mãos nas costas para retomar a caminhada.
Assim íamos os dois, meu pai na frente, eu um pouco atrás, a não ser quando passávamos pelo bosque de eucaliptos que se estendia à direita de quem subia a rua. Nesse trecho eu acelerava o passo para emparelhar-me ao meu pai e agarrar-lhe a mão. Era como eu acreditava estar a salvo dos monstros que, à sombra das árvores tangidas pela brisa da noite enluarada, moviam-se prontos para me agarrar.
Nessa época, eu tinha a impressão de que a ansiedade pela rotina dos domingos prendia-se ao prazer de ouvir as estórias que meu pai contava enquanto caminhávamos, ou do refrigerante que me serviam quando chegávamos ao nosso destino, ou da divertida pelada com os meninos que, como eu, andavam pela casa dos onze anos. Hoje, chego à conclusão de que não era por esses motivos infantis que acompanhava meu velho. Na verdade, havia uma razão mais forte. Era a emoção de ver a felicidade do humilde imigrante, revivendo, na companhia dos patrícios, as tradições, costumes e lembranças da terra natal que jamais voltaria a visitar.
Piteri, Guaçu: Sonhar é Preciso – Comunidade e Política nos Tempos da Ditadura; EDIFIEO; Osasco; 2008- p. 65/66/67
Guaçu, sempre acreditei que “RECORDAR É VIVER”. A sensação que fica em nosso ser é infinitamente maravilhosa. Parabéns pelas recordações e de compartilhar conosco.
Eu também, Recordar é viver de novo. Forte abraço.